A amizade segundo Aristóteles
(...) [A amizade] é uma coisa absolutamente necessária para a vida. De fato, ninguém poderia optar por viver sem amigos, mesmo que possuísse todos os outros bens. Pois, é comprovado que justamente os ricos e aqueles que possuem cargos e poderes elevados têm sobretudo necessidade de amigos. De fato, qual utilidade haveria para alguém ter esta prosperidade, se não tivesse a possibilidade de compartilhar o próprio bem-estar com alguém, sabendo-se que tal possibilidade surge e é louvada sobretudo em relação aos amigos?
(...)
Entretanto, também em torno da amizade são levantadas muitas questões. Na tentativa de definir a amizade, por exemplo, alguns acham que é uma espécie de semelhança entre determinadas pessoas, dizendo que os semelhantes são amigos entre si, de onde o ditado que o semelhante procura o seu semelhante, tal como, por exemplo, a gralha procura a gralha, e coisas desse tipo. Outros, pelo contrário, dizem que todos os semelhantes são entre si como os fabricantes de louças em concorrência. (...) Queremos saber, por exemplo, se a amizade nasce em todos os homens; se os malvados não podem ser amigos; se há só uma forma, ou se, pelo contrário, existem muitas formas de amizade. (...)
(...) há três espécies de amizades, como também três são as espécies de qualidades suscetíveis de amizade, correspondendo a cada uma delas uma retribuição de amizade não oculta. Como também, os que se amam mutuamente, querem-se reciprocamente bem, em virtude daquilo pelo que se amam. Aqueles, portanto, que se amam reciprocamente por causa do útil não se amam por si mesmos, mas sim na medida em que isso lhes traz reciprocamente algum bem; o mesmo acontece com aqueles que se amam por causa do prazer. De fato, eles amam as pessoas alegres não porque elas têm determinadas qualidades, mas porque são agradáveis. Por conseguinte, os que amam por causa do útil, amam por causa do bem que tal utilidade lhes propicia, e os que amam por causa do prazer, amam em virtude daquilo que lhes propicia, e os que amam por causa do prazer, amam em virtude daquilo que lhes provém de agradável e não pelo fato de a pessoa amada ser o que é, mas sim na medida em que ela é útil ou agradável. Por isso tais amizades são acidentais; de fato, aquele que é amado não é amado em virtude daquilo que é, mas enquanto proporciona, ora um bem, ora um prazer. Semelhantes amizades, portanto, acabam se facilmente, considerando que as pessoas não continuam sempre iguais: e quando elas não são mais agradáveis ou úteis, deixam de continuar na amizade. (...)
(...) A amizade perfeita, entretanto, é aquela dos homens de bem e dos semelhantes na virtude. Eles de fato se querem bem reciprocamente enquanto são bons, e são bons de per si; e aqueles que querem bem aos amigos justamente por serem amigos, são os verdadeiros amigos (eles de fato são tais de per si e não acidentalmente); por isso, a sua amizade continua na medida em que eles são bons e, por um lado, a virtude é algo de estável e, por outro, cada indivíduo é bom tanto considerado em si mesmo, como também com relação ao amigo.
(...) Esta, portanto, é a amizade perfeita tanto com relação à duração como também quanto aos outros elementos e nasce a partir de todas estas qualidades idênticas ou semelhantes entre ambas as partes, como justamente deve ser entre dois amigos.
Sobre o número de amigos
(...) com relação aos amigos deve haver uma quantidade definida, ou seja, ter no máximo tantos amigos cuja convivência alguém possa suportar; tal atitude, na verdade, é mais própria da amizade, pois, é óbvio não ser possível conviver com muitas e diferentes pessoas entre si. Além disso, é necessário que eles também sejam amigos entre si, se tiverem de passar o dia todos juntos: tal coisa de fato é difícil acontecer entre muitas pessoas. Como também é difícil que muitas pessoas juntas possam ter de maneira conveniente e ao mesmo tempo os mesmos sentimentos de alegria e de tristeza, como obviamente em certos momentos é preciso ao mesmo tempo se alegrar com um e ficar triste com outro. (...) as amizades famosas celebradas nos poemas aconteceram sempre somente entre dois amigos.
Sobre a importância da convivência
Pode-se concluir, portanto, que, segundo acontece com os apaixonados, a coisa mais gostosa é o fato de se verem, preferindo esta sensação a outras, na medida em que o amor consiste principalmente nela e nasce dela, assim também para os amigos a coisa mais desejável não é talvez viverem juntos? De fato, a amizade é comunhão de vida. (...) E nesta convivência, aquilo que vale para ele, vale também cada um dos amigos, ou aquilo em cuja perspectiva ele escolher viver, o mesmo ele quer que seja compartilhado na convivência com os amigos; por isso, alguns se reúnem para beber, outros para jogar dados, outros para fazer ginástica, para caçar, ou para filosofar, cada qual transcorrendo as jornadas naquela maneira que mais gosta na vida; de fato, querendo conviver com os amigos eles se entretêm e compartilham naquilo com que tencionam passar o tempo com eles.
trechos selecionados a partir do texto disponível no livro Amizade & Filósofos, organizado por Massimo Baldini (Bauru, SP: Edusc, 2000, p.59-69)
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