Os frutos da amizade (Francis Bacon)

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O fruto principal da amizade é o alívio e o desabafo de um coração repleto de dor que toda espécie de paixão causa e propicia. Sabemos que as doenças provocadas por parada circulatória e por insuficiência respiratória são as mais perigosas para o corpo, assim como o são para a mente. Pode-se tomar salsaparrilha para desintoxicar o fígado, um mineral para o baço, flores de enxofre para os pulmões, o castóreo para o cérebro, mas nenhuma poção consegue sarar o coração, exceto um amigo verdadeiro a quem, numa espécie de confissão ou absolvição leiga, é possível revelar dores, alegrias, temores, esperanças ou suspeitas, intenções e qualquer outra coisa que pese sobre o coração para oprimi-lo. 
(...)O segundo fruto da amizade é tão salutar e de extrema importância para o intelecto, quanto o primeiro é importante para os afetos. De fato, a amizade muda em calmaria os furacões e tempestades dos afetos, criando ao mesmo tempo clareza total no intelecto, libertando-o da escuridão e da confusão dos pensamentos. 
Estes resultado, todavia, não se refere apenas ao conselho legal que se recebe de um amigo, pois, antes de se obter tal efeito, é comprovado que, todo aquele que tem a mente carregada de muitos pensamentos, ao comunicar e conversar com outro alguém, exclarece e solta o intelecto e a compreensão, troca mais facilmente os próprios pensamentos, reunido-os de forma mais ordenada, e enxerga como ficam quando são traduzidos em palavras, enfim, torna-se mais sábio do que antes e isso mais pela conversação de uma hora do que através da meditação de um dia. 
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Depois destes dois nobres frutos da amizade (serenidade dos afetos e apoio do juízo), segue o último fruto, que é semelhante à româ cheia de muitos grãos; quer dizer, a ajuda e a participação em cada iniciativa e circunstância. 
Neste ponto, para dar uma representação real da utilidade multiforme da amizade, é oportuno avaliar e ver quantas coisas existem que não podemos realizar sozinhos. Desse modo ficará evidente como a afirmação de que "um amigo é um outro eu" foi uma sentença restritiva ditada pelos antigos, pois um amigo é de longe mais do que apenas eu mesmo. 
A existência tem um término e com frequência os homens morrem com o desejo de coisas que têm particularmente a peito como, por exemplo, organizar a vida de um filho, a complementação de uma obra etc. Se alguém tiver um amigo verdadeiro, pode ter quase certeza de que o cuidado dessas coisas vai continuar mesmo depois dele; por isso, com relação seus desejos, é como se ele tivesse duas vidas. (...) 
texto retirado do livro Amizade & Filósofos, organizado por Massimo Baldini (Bauru, SP: Edusc, 2000, p.108-114)

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