Amor é ação

(…)
Todo mundo quer saber mais sobre o amor. Queremos saber o que significa amar, o que podemos fazer em nosso dia a dia par amarmos e sermos amados. Queremos saber como seduzir aqueles que continuam fiéis à falta de amor e abrir as portas de seu coração para que deixem o amor entrar. A força de nosso desejo não muda o poder de nossa incerteza cultura. Em todos os lugares aprendemos que o amor é importante, mas somos bombardeados por seu fracasso. No domínio da política, entre religiosos, em nossas famílias e em nossa vida afetiva, vemos poucos indícios de que o amor serve de base para decisões, fortalece nosso entendimento da comunidade ou nos mantém juntos. Essa imagem desoladora não altera, de modo algum, a natureza de nosso desejo. Nós ainda temos esperança de que o amor prevalecerá. Nós ainda acreditamos na promessa do amor.

(…) não existem escola para o amor. Todo mundo supõe que saberemos, instintivamente, como amar. Apesar de esmagadoras evidências contrárias, inda aceitamos que a família é a escola primordial para o amor. Daqueles de nós que não aprendem como amar em família, espera-se que experimentem o amor em relações românticas. Contudo, esse amor geralmente nos escapa. E passamos a vida inteira desfazendo os danos causados pela crueldade, pela negligência e por todas as formas de desamor que vivenciamos em nossa família de origem e em relacionamentos nos quais simplesmente não sabíamos o que fazer.

Só o amor pode curar as feridas do passado. Entretanto, a intensidade de nossos ferimentos nos leva a fechar nosso coração, tornando impossível retribuirmos ou recebermos o amor que nos é dado. Para abrir nosso coração mais plenamente par ao poder e a graça do amor, devemos ousar reconhecer quão pouco sabemos sobre ele na teoria e na prática. Devemos encarar a confusão e a decepção em relação ao fato de que muito do que nos foi ensinado a respeito da natureza do amor não faz sentido quando aplicado à vida cotidiana. Observando a prática do amor no dia a dia, pensando em como amamos e no que é necessário para que a nossa cultura se torne uma cultura em que a presença sagrada do amor possa ser sentida em todo lugar, escrevi essa reflexão.

“O amor é o que o amor faz. Amar é um ato de vontade – isto é, tanto uma intenção quanto uma ação. A vontade também implica escolha. Nós não temos que amar. Escolhemos amar”. M. Scott Peck

(…) Para amar verdadeiramente, devemos aprender a misturar vários ingredientes – carinho, afeição, reconhecimento, respeito, compromisso e confiança, assim como honestidade e comunicação aberta. Aprender definições falhas de amor quando somos bem jovens torna difícil sermos amorosos quando amadurecemos. Começamos comprometidos com o caminho certo, mas seguimos a direção errada. A maioria de nós aprende desde cedo a pensar no amor como um sentimento. Quando nos sentimos profundamente atraídos por alguém, dedicamos energia mental e emocional à pessoa, isto é, a investimos de sentimentos e emoções. (…) Quando entendemos o amor com ao vontade de nutrir o nosso crescimento espiritual e o de outra pessoa, fica claro que não podemos dizer que amamos se somos nocivos ou abusivos. Amor e abuso não podem coexistir. Abuso e negligência são, por definição, opostos a cuidado. Ouvimos com frequência sobre homens que batem na esposa e nos filhos e então vão ao bar da esquina proclamar apaixonadamente o quanto os amam. Se você conversar com a esposa num dia bom, ela pode insistir que ela a ama, apesar da violência. A grande maioria de nós vem de famílias disfuncionais nas quais fomos ensinados que não éramos bons, nas quais fomos constrangidos, abusados verbal e/ou fisicamente e negligenciados emocionalmente, mesmo quando nos ensinavam a acreditar que éramos amados. Para a maioria das pessoas, é simplesmente ameaçador demais aceitar uma definição de amor que não nos permitiria mais identificar o amor em nossas famílias. Muitos de nós precisamos nos apegar a uma ideia de amor que torne o abuso aceitável ou que ao menos faça parecer que, independente do que tenha acontecido, não foi tão ruim assim.

(…) Começar por sempre pensar o amor com uma ação, em vez de um sentimento, é uma forma de fazer com que qualquer um que use a palavra dessa maneira automaticamente assuma responsabilidade e comprometimento. Somos com frequência ensinados que não temos controle sobre nossos “sentimentos”. Contudo, a maioria de nós aceita que escolhemos nossas ações, que a intenção e o desejo influenciam o que fazemos. Também aceitamos que nossas ações têm consequências. Pensar que as ações moldam os sentimentos é uma forma de nos livrarmos de suposições aceitas convencionalmente, como a de que os pais amam seus filhos, de que alguém simplesmente “cai” de amores sem exercer desejo ou escolha, de que existe algo chamado “crime passional”, isto é, a ideia de que ele a matou porque a amava demais. SE nos lembrássemos constantemente de que o amor é o que o amor faz, não usaríamos a palavra de um jeito que desvaloriza e degrada o seu significado. Quando amamos, expressamos cuidado, afeição, responsabilidade, respeito, compromisso e confiança.

Definições são pontos de partida fundamentais para a imaginação. O que não podemos imaginar não pode vir a ser. Uma boa definição marca nosso ponto de partida e nos permite saber aonde queremos chegar. Conforme nos movemos na direção ao destino desejado, exploramos o caminho, criando um mapa. Precisamos de um mapa para nos guiar em nossa jornada até o amor – partindo de um lugar em que sabemos a que nos referimos quando falamos de amor.

HOOKS, bell, Tudo sobre o amor: novas perspectivas, trad. Stephanie Borges, São Paulo: Elefante, 2020.

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