Metafísica do amor
[...]
Habitualmente vê-se os poetas ocupados em pintar o amor. A pintura do amor é assunto principal de todas as obras dramáticas, trágicas ou cômicas, românticas ou clássicas, tanto nas Índias como na Europa: é igualmente o mais fecundo de todos os assuntos, tanto para a poesia lírica como para a poesia épica, sem falar da grande quantidade de romances que, há séculos, se produzem todos os anos nos países civilizados da Europa (...).
Não é, portanto, permitido duvidar da realidade do amor, nem da sua importância. Em vez de causar admiração que um filósofo procure também apoderar-se desse assunto, tema eterno de todos os poetas, deve antes surpreender que uma questão que representa na vida humana um papel tão importante tenha sido, até agora, descurada pelos filósofos, e se encontre diante de nós como uma matéria nova. De todos os filósofos, foi ainda Platão quem mais se ocupou do amor, principalmente no Banquete e no Fedro. O que ele diz sobre o assunto entra no domínio dos mitos, das fábulas e dos ditos equívocos e, sobretudo, diz respeito ao amor grego. O pouco que sobre isso diz Rousseau, em seu Discurso sobre igualdade, é falso e insuficiente; Kant, na terceira parte do Tratado sobre o sentimento de belo e sublime, trata tal assunto de um modo demasiado superficial, e por vezes inexato, como quem não entende nada do caso. (...)
A definição de Spinoza merece ser citada pela sua extrema simplicidade: Amor é um estremecer acompanhado da ideia de uma causa externa. Não tenho, portanto, que me servir dos meus predecessores, nem que os refutar. Não foi pelos livros, foi pela observação da vida exterior que este assunto se me impôs, e tomou lugar no conjunto das minhas considerações (...). Qualquer inclinação terna, seja qual for a atitude etérea que afete, tem, na realidade, todas as suas raízes no instinto natural dos sexos;
[...] Todas as paixões amorosas da geração presente não são, portanto, para a humanidade inteira, senão a séria meditação sobre a composição das gerações futuras, da qual, por sua vez, dependem outras incontáveis gerações. (...) Porque o indivíduo é para a espécie o que a superfície dos corpos é para os próprios corpos. É por isso que se torna algo tão difícil despertar interesse num drama onde se não introduza uma intriga amorosa; e, contudo, não obstante o uso diário que se lhe dá, o assunto nunca se esgota.
Quando o instinto dos sexos se manifesta na consciência de cada indivíduo de uma maneira vaga, geral e sem determinação precisa, é a vontade de viver absoluta, fora de todo o fenômeno, que surge. Quando num ser consciente o instinto do amor se especializa num determinado indivíduo, é essa mesma vontade que aspira a viver num ente novo e distinto, exatamente determinado. (...) Por muito desinteressada e ideal que possa parecer a admiração por uma pessoa amada, o alvo final é na realidade a criação de um novo ser, determinado na sua natureza: prova-o o fato de o amor não se contentar com um sentimento recíproco, mas exigir a posse, o essencial, isto é, o gozo físico.
SCHOPENHAUER,Artur. O amor, As dores do mundo, São Paulo:Edipro, 2014.
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