O amor e as metades humanas

[O corpo dos humanos,originalmente, tinha a forma de círculo. Por isso,] eram de uma força e de um vigor incríveis; e tinham uma grande presunção; mas voltaram-se contra os deuses. [...] Zeus, então, e os demais deuses puseram-se a deliberar sobre o que se devia fazer com eles e embaraçavam-se: não podiam nem matá-los [...], pois as honras e os templos que lhes vinham dos humanos desapareceriam, nem permitir-lhes que continuassem na impiedade. Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: "Acho que tenho um meio de fazer com que os humanos possam existir, mas parem com a intemperança, tornados mais fracos. Agora, com efeito, eu cortarei a cada um em dois; e, ao mesmo tempo, eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de se terem tornado mais numerosos; e andarão eretos, sobre duas pernas." 

[...] Logo que disse isso, Zeus pôs-se a cortar os humanos em dois; [...] e cada um que cortava, mandava Apolo voltar-lhe o rosto e a banda do pescoço para o lado do corte, a fim que, contemplando a própria mutilação, cada humano fosse mais moderado. [...] Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, cada um ansiava por sua própria metade e a ela se unia [...]. Cada um de nós, portanto, é uma téssera complementar de outro humano, porque, cortados como os linguados, de um só [se fazem] dois; cada um procura, então, o seu próprio complemento. 

PLATÃO, O banquete, trad. José Cavalcante de Souza, São Paulo:Abril Cultural, 1987.

téssera: cubo (como um dado) ou pedaço de osso polido que, no mundo antigo, era dividido entre as pessoas como sinal de amizade e compromisso. Por exemplo, quando alguém morria, seus descendentes podiam usar essa peça para provar que tinham amizade comas famílias amigas do ancestral falecido. 

linguado: barra de metal. 

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