O nascimento do amor
Quando nasceu Afrodite, os deuses banqueteavam-se e entre eles se encontravam também o filho da Prudência, chamado Recurso. Depois que acabaram de jantar, a Pobreza veio esmolar no festim e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar – pois ainda não havia vinho – adentrou no jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza, então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor [Éros]. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque Afrodite também é bela. Por ser filho de Recurso e Pobreza, foi esta a condição em que o Amor ficou: primeiramente ele é sempre pobre e está longe de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão; segundo pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçado terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida [...]. Sua natureza não é nem imortal nem mortal; e no mesmo dia ele germina e vive, quando enriquece; logo morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que ele consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância.
PLATÃO, O banquete, trad. José Cavalcante de Souza, São Paulo:Abril Cultural, 1987.
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