“Carta nº 58” - Espinosa

 "[...] Mas desçamos até as coisas criadas, que são todas determinadas por causas externas a existir e a agir de certa e determinada maneira. Para que isso possa ser claramente entendido, concebamos algo muito simples. Por exemplo, uma pedra recebe certa quantidade de movimento a partir de uma causa externa que a impele, e, em seguida, cessando o impulso dessa causa externa, continua, necessariamente, a se mover. Esta permanência da pedra em movimento é, portanto, coagida, não porque é necessária, mas porque deve ser definida pelo impulso da causa externa. E o que aqui se diz da pedra, aplica-se a qualquer coisa singular, ainda que concebida como composta ou com numerosas ligações, em que cada uma é, necessariamente, determinada por alguma causa externa a existir e a agir de certa e determinada maneira. Indo adiante, concebe agora, se te apraz, uma pedra que, enquanto continua em movimento, é capaz de pensar e saber que ela está se esforçando tanto quanto pode para continuar a se mover. Esta pedra, visto que está consciente apenas de seu próprio esforço, e de modo nenhum indiferente a ele, acreditará que é completamente livre e que a causa de perseverar no movimento é unicamente porque quer e nenhuma outra causa. E esta é aquela liberdade humana que todos se vangloriam de possuir, e que consiste apenas no fato de que os homens são conscientes de seus apetites, mas ignoram as causas por que são determinados. Assim, o bebê crê desejar livremente o leite, o garoto irado a vingança e a criança medrosa a fuga. Ademais, um homem, quando ébrio, acredita falar a partir do livre decreto de sua mente, e, mais tarde, quando sóbrio, preferiria ter ficado calado. Assim, os delirantes, os tagarelas e muitos outros desta mesma farinha julgam agir pelo livre decreto de suas mentes, e, não, que são levados por impulso. E porque esse preconceito é inato a todos os homens, não se livram facilmente do mesmo. Pois, embora a experiência tenha ensinado, mais que suficientemente, que os homens nada podem menos do que moderar seus apetites, e que, com frequência, enquanto são atacados por afetos contrários, percebem as melhores coisas e seguem as piores, eles acreditam, porém, que são livres[...]"

Espinosa, B. “Carta nº 58”. Tradução e notas de Samuel Thimounier. Conatus, vol. 7, nº 13, jul. 2013. p. 78.

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