Meditações
LIVRO 2 (caps. 1-9) das "Meditações" de Marco Aurélio.
1. Começa cada dia por dizer a ti próprio: Hoje vou deparar com a intromissão, a ingratidão, a insolência, a deslealdade, a má-vontade e o egoísmo — todos devidos à ignorância por parte do ofensor sobre o que é o bem e o mal . Mas, pela minha parte, já há muito percebi a natureza do bem e a sua nobreza, a natureza do mal e a sua mesquinhez, e também a natureza do próprio prejudicado, que é meu irmão (não no sentido físico, mas como meu semelhante, igualmente dotado de razão e de uma parcela do divino); portanto nenhuma dessas coisas me ofende, porque ninguém pode me envolver naquilo que é degradante. Nem eu posso ficar zangado com o meu irmão ou entrar em conflito com ele; porque ele e eu nascemos para trabalhar juntos, como, de um homem, as duas mãos, os dois pés, as duas pontuais ou os dentes de cima e de baixo. Criar dificuldades aos outros é contra as leis da Natureza — e o que é a segurança, ou a versão, senão uma forma de criar dificuldades aos outros? 2. Um pouco de matéria, um pouco de respiração e uma Razão para tudo dirigir — isto sou eu. (Esquece os teus livros; deixa de suspirar por eles; não fazia parte do teu equipamento.) Como alguém já à beira da morte, não pensa na primeira — no seu sangue viscoso, nos seus ossos, na sua teia de nervos e veias e artérias. E a respiração, o que é? Uma lufada de ar; e nem sequer o mesmo ar, mas, antes, sempre diferente a cada inspiração e expiração. Mas a terceira, a Razão, a mestra — é nela que você deve se concentrar. Agora que o teu cabelo já está grisalho, não deixes mais que ela tenha um papel de escrava, que se contorça, qual marioneta, a cada acesso de interesse pessoal; e deixa de te exasperar com o destino, resmungando com o hoje e reclamando-te do amanhã. 3. Toda a organização divina está impregnada da Providência. Mesmo os caprichos do acaso têm o seu lugar no esquema da Natureza, isto é, no intrincado tecido das disposições da Providência. A Providência é a fonte onde fluem todas as coisas; e a ela aliada, está a Necessidade, e o bem-estar do universo. Tu próprio é parte do universo; e para qualquer das partes da natureza, aquilo que lhe é atribuído pelo Mundo-Natureza, ou a ajuda a existir, é bom. Além disso, o que mantém todo o mundo em existência é uma Mudança: não meramente a mudança dos elementos básicos, mas também a mudança das formações maiores que elas compõem. Contente-se com estes pensamentos, e considere-os sempre como princípios. Esquece a tua sede de livros, para que, quando o teu fim chegar não resmungues, mas o encares com boa vontade e verdadeira gratidão aos deuses. 4. Pensa nos teus muitos anos de adiamento; como os deuses repetidamente te proporcionaram mais períodos de graça que não aproveitaste. Está na altura de você ousar contar a natureza do universo a que pertencem, e daquele poder controlador de que é filho; e de compreender que o teu tempo tem um limite. - Usa-o, portanto, para passos no teu esclarecimento,senão ele vai-se e nunca mais voltará a estar de novo em teu poder. 5. Decida com firmeza, a todas as horas, como romano e como homem, fazer tudo aquilo que te chegue às mãos com dignidade, e com humanidade, independência e justiça. Liberte o espírito de todas as outras considerações. Isto pode você fazer se abordar cada ação como se fosse a última, pondo de lado o pensamento indócil, o retorno emocional das ordens da razão, o desejo de causar uma boa impressão, a admiração por si próprio, a insatisfação pelo que você calhou em classificar. Vê o pouco que um homem precisa de dominar para que seus dias fluam calma e devotadamente: ele apenas tem de observar estes poucos conselhos, e os deuses nada mais lhe pedirão. 6. Ó alma minha, que mal, que mal vós estais a fazer a vós próprias; e muito em breve vós já não tereis mais tempo para fazerdes justiça a vós próprias. O homem não tem senão uma vida; e a vossa está já próxima do fim, contudo, continuais a não ter olhos para a vossa própria honra e estais a hipotecar a vossa felicidade às almas de outros homens. 7. A tua atenção é desviada para preocupações exteriores? Então, conceda-te um espaço de descanso dentro do que possas aumentar o conhecimento do bem e aprender a refrear a tua inquietação. Defende-te também de outro tipo de erro: uma loucura daquelas que passam os seus dias com muita ocupação mas carecem de um qualquer objectivo em que concentrem todo o seu esforço, melhor, todo o seu pensamento. 8. Dificilmente encontrar um homem a quem a indiferença pelas atividades de outra alma traz infelicidade; mas para aqueles que não prestam atenção aos movimentos da sua própria, a infelicidade é certamente uma recompensa. 9. Tendo sempre em mente aquilo que o Mundo-Natureza é, e aquilo que a minha própria natureza é, e o que uma é em relação à outra — uma fração tão pequena de um Todo tão vasto — lembra-te de que ninguém pode impedir -te de concerto cada palavra e cada ação com a Natureza do que é parte.7. A tua atenção é desviada para preocupações exteriores? Então, conceda-te um espaço de descanso dentro do que possas aumentar o conhecimento do bem e aprender a refrear a tua inquietação. Defende-te também de outro tipo de erro: uma loucura daquelas que passam os seus dias com muita ocupação mas carecem de um qualquer objectivo em que concentrem todo o seu esforço, melhor, todo o seu pensamento. 8. Dificilmente encontrar um homem a quem a indiferença pelas atividades de outra alma traga infelicidade; mas para aqueles que não prestam atenção aos movimentos da sua própria, a infelicidade é certamente uma recompensa. 9. Tendo sempre em mente aquilo que o Mundo-Natureza é, e aquilo que a minha própria natureza é, e o que uma é em relação à outra — uma fração tão pequena de um Todo tão vasto — lembra-te de que ninguém pode impedir -te de concerto cada palavra e cada ação com a Natureza do que é parte.
MARCO AURÉLIO. Meditações . Tradução de Luís AP Varela Pinto. Espinho: Penguin Books, 2002.
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