Trechos de Fundamentos de Filosofia – Gilberto Cotrim

 Do Mito à Ciência 

[..] vejamos algumas explicações sobre o mundo formuladas por diversos grupos humanos ao longo da história. Entre as mais antigas explicações conhecidas, encontram-se as lendas e os mitos de culturas muito antigas – egípcia, indiana, chinesa, grega, romana, asteca, maia, entre outras – e suas respectivas cosmogonias ou cosmogêneses, isto é, exposições sobre a origem e a formação do universo. No caso dos gregos, um conjunto de deuses primordiais representava, segundo a narrativa mítica, o surgimento do cosmos (“universo ordenado”). De acordo com o poema Teogonia (“origem dos deuses”), de Hesíodo, escrito por volta de VIII a.C., a primeira divindade teria sido Caos (o abismo, o vazio indeterminado e ilimitado), mas logo apareceram Gaia (a Terra), Tártaro (o mundo subterrâneo, de trevas profundas) e Eros (o amor). De cada uma dessas divindades vieram outras e, da união entre elas, nasceram outras mais, conformando assim várias estirpes de deuses e deusas, heróis e heroínas e outras entidades. Desse modo, as forças e os fenômenos da natureza e dos seres naturais estavam simbolicamente representados em seres divinos ou sobrenaturais, geralmente concebidos segundo a imagem humana, antropomorfizados. A cosmogonia contida nos mitos equivalia praticamente à genealogia de suas deidades. A partir do século VII a.C., os primeiros filósofos gregos – conhecidos como pré-socráticos – iniciaram um processo de ruptura com as explicações míticas e antropomórficas do universo. Dedicaram-se a investigar diretamente o mundo físico, a natureza (que se diz physis, em grego), e a construir uma cosmologia, ou seja, uma explicação sobre a origem, a formação e as principais características do cosmos. Nada – ou bem pouco – de deuses ou histórias familiares. A nova tendência era buscar argumentos baseados na observação do mundo natural e no uso da razão para formar um sistema coerente de concepções. A investigação empreendida pelos pensadores pré-socráticos caracterizou-se principalmente pela busca da arché, palavra grega que significa literalmente “o que está na frente, a origem, o começo”. A arché pode ser entendida como: • realidade primeira que deu origem a tudo o que existe; • substrato fundamental que compõe as coisas; • força ou princípio que determina todas as transformações que ocorrem nas coisas. A ideia de que todos os seres da natureza provêm ou participam de uma unidade primordial já estava presente nas diversas cosmogonias. Mas a busca da arché dos primeiros filósofos trouxe a novidade, entre outras, de superar o antropomorfismo da perspectiva mítica, procurando identificar elementos naturais (ou não sobrenaturais) que explicassem racionalmente a realidade. Qual era a arché para cada pensador pré-socrático? Tales dizia ser a água; Anaximandro, o ápeiron (“o indeterminado”); Anaxímenes, o ar; Xenófanes, a terra; Heráclito, o fogo; Pitágoras, os números; Parmênides, o ser; Empédocles, os quatro elementos (terra, água, ar e fogo); Demócrito, os átomos.

 (COTRIM, Gilberto; FERNANDES Mirna. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 124 - 124.)

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