Henri Bergon e a música (A metáfora de Bergson e a nossa escuta musical - Bernardete Oliveira Marantes)

Uma imagem a miúdo usada para exprimir a descrição de continuidade da vida interior bergsoniana é aquela alusiva à música, ao ritmo, e mais frequentemente, à melodia. E buscando auxílio na arte musical, pergunta Bergson: “acaso se pode, sem desnaturá-la, encurtar a duração de uma melodia? A vida interior é exatamente essa melodia” (Bergson, 2006, p. 172). A trilha sonora interior, ou a melodia sucessiva da vida interior, vem a calhar como metáfora, pois, a música exige de seu ouvinte, diferentemente das outras artes, uma atenção à sucessão, visto que há uma temporalidade imanente a sua própria estrutura, já que “o som existe quando existe”

(Piana, 1991, p. 141), e a nossa escuta musical só se realiza com o auxílio da memória e no e com o tempo. Desse modo, tomando como guia o categórico pensamento do filósofo, pode-se afirmar, tanto para a música quanto para a vida interior bergsoniana, a existência de uma consubstancialidade temporal manifesta entre o passado e o presente, e o exemplo da melodia indivisível que se realiza do princípio ao fim ajusta-se a noção de um presente perpétuo “ainda que nada haja de comum entre essa perpetuidade e a imutabilidade, nem entre essa indivisibilidade e a instantaneidade. Trata-se de um presente que dura” (Bergson, 2006, p. 176), logo, pode-se afirmar que a realidade é mudança, e uma mudança indivisível, do que dura, que abarca uma conservação do passado no presente.

Em termos de música, sabe-se que o tempo é o componente principal do corpo sonoro; ele é o elemento constitutivo e permanente que, dotado de infinita complexidade no acolhimento dos diferentes dados musicais, opera o prodígio da arte musical. Num diálogo direto entre a música e o tempo, afirma o músico José Miguel Wisnik que no tempo dos sons, dentro de sua desigualdade e pulsação com suas idas e vindas que participam do tempo contínuo e linear, há também outro tempo, “ausente, virtual, espiral, circular ou informe, e em todo caso não cronológico, que sugere um contraponto entre o tempo da consciência e o não-tempo do inconsciente” (Wisnik, 2005, p. 28), por conseguinte, compostos de continuidade e simultaneidade, pois os sons vêm um após o outro mas também em concomitância, os sons musicais aludem a uma instabilidade ou pluralidade ou multiplicidade, e remetem-nos a um tempo fora do tempo, a um tempo interior e dotado de pura qualidade. Na citação acima de Wisnik introduziu-se a noção de simultaneidade na afirmação de que a música é continuidade e simultaneidade.


(MARANTES, B. O. . A metáfora de Bergson e a nossa escuta musical. Philia e Filia , v. vol 2, p. 211-227, 2011.)

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