Marcuse e o Homem Unidimensional (Artigo - Revista Katál)

O homem unidimensional, para Marcuse (1982), refere-se principalmente a um modo de vida condizente com o capitalismo vigente e também se expande de forma consensual e com grande tendência totalizante pelo tecido social: de um lado, esse "homem" faz avançar os pressupostos do mercado pelo território econômico, social, político, cultural, científico, tecnológico etc. De outro, avança ainda pelo território subjetivo, notadamente pela produção do desejo inconsciente. Daí que essa "unidimensionalidade" está atualmente pelos quatro cantos do planeta: ela está praticamente em todos os lugares e em lugar algum. [...] Para Marcuse (1981, 1982, 1999), a sociedade globalizada é a do homem unidimensional e também da sociedade tecnológica avançada. Portanto, apesar da automação e da tecnologia atual nos dar condições para romper com o trabalho alienado, infelizmente é o contrário que se vê: a globalização lança mão desses fatores e exerce um controle poderoso sobre os diferentes indivíduos; aqui, presentemente, não só há um elevado nível de automação ou de tecnologia, como também há sutil mecanismo de domínio. Enfim, a rigor, ao aderirmos a esse "modo de vida", nos submetemos a uma racionalidade tecnológica com forte pendor totalitário3:

Atualmente, o poder político se afirma através dos seus poderes sobre o processo mecânico e sobre a organização técnica do aparato. O governo de sociedades industriais desenvolvidas e em fase de desenvolvimento só se pode manter e garantir quando mobiliza, organiza e explora com êxito a produtividade técnica, científica e mecânica à disposição da civilização industrial (MARCUSE, 1982, p. 25). 2) Tendência totalitária? Que tendência totalitária? Esta segunda característica da sociedade unidimensional, sobretudo, pode ser vista na dita forma suave de se exercer o poder. Ora, considerando que são os pressupostos básicos do mercado que interessam, visando que tudo e todos se transformam em mercadorias, tais pressupostos, sob a égide da ordem atual, passam a ser à base de qualquer racionalidade do mundo globalizado. Esta racionalidade hegemônica, aliada ao desenvolvimento tecnológico e científico, avançando sobre os diferentes indivíduos e grupos, apresenta-se como a suposta "verdade" e também age atualmente como se fosse o dito "santo ofício" dos tempos modernos: afora condenar tudo o que não lhe é espelho, discrimina e põe à margem todos os que não se enquadram nos seus pressupostos. Em outros termos, esse poder dito consensual ou racionalidade unidimensional não só é exercido através das redes das instituições sociais e de todo aparato tecnológico daí decorrente, mas também dentro de um modo de se proceder que é cotidianamente paradoxal: quando o domínio em questão é exercido até mesmo para controlar as relações sociais, usa-se e se incentiva a liberdade, mas na realidade só se permite que haja uma suposta liberdade para beneficiar o mercado; quando se defende a livre manifestação nas artes e a na própria vida cultural, tal procedimento é estimulado, mas desde que, sob qualquer hipótese, não se ponha em risco a economia globalizada. 

(BASTOS, Rogério Lustosa. Marcuse e o homem unidimensional: pensamento único atravessando o Estado e as instituições. In: Revista Katál, Florianópolis, v. 17, n. 1, jan./jun., 2014, p. 111-119.)


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