O Mundo Como Vontade e Como Representação - SCHOPENHAUER

Após termos considerado até aqui todas as belas artes na generalidade adequada ao nosso ponto de vista, começando com a bela arquitetra, cujo fim enquanto tal é clarear a objetivação da Vontade no grau mais baixo de sua visibilidade em que ela se mostra como esforço regular, abafado e sem conhecimento da massa, já manifestando autodiscórdia e luta entre gravidade e rigidez; - e fechando a nossa consideração com a tragédia, a qual, no grau mais elevado de objetivação da Vontade, traz-nos diante dos olhos justamente aquele seu conflito consigo mesma, em terrível magnitude e distinção; após tudo isso , ia dizer, notam os que uma bela arte permaneceu excluída de nossa consideração e tinha de permanecê-lo, visto que, no encadeamento sistemático de nossa exposição, não havia lugar apropriado para ela. Trata-se da música. Esta se encontra por inteiro separada de todas as demais artes. Conhecemos nela não a cópia, a repetição no mundo de alguma Idéia dos seres; no entanto é uma arte tão elevada e majestosa, faz e feito tão poderosamente sobre o mais Íntimo do homem, é aí tão inteira e profundamente compreendida por ele, como se fora uma linguagem universal, cuja distinção ultrapassa até mesmo a do mundo intuitivo- que decerto temos de procurar nela mais do que um exercitium  arithmeticae occultum nescientis se numerare animi (Exercício oculto de aritmética no qual a alma não sabe que conta.), na qualificação acertada de Leibniz, apesar de ter considerado só a sua significação imediata e exterior , a sua casca; pois se a música não fosse algo mais, a satisfação por ela proporcionada teria de ser semelhante à que sentimos na correta resolução de um a soma aritmética e não poderia ser a alegria interior com a qual o Íntimo mais fundo de nosso ser é trazido à linguagem. Do nosso ponto de vista, ao considerarmos o efeito estético da música, temos de reconhecer-lhe um a significação muito mais séria e profunda, referida à essência íntima do mundo e de nós mesmos. Nesse sentido, as relações numéricas em que ela se deixa resolver não são relatadas como o assinalado, mas antes como o sinal. Da analogia com as demais artes podemos concluir que a música, de certa maneira, tem de estar para o mundo como a exposição para o exposto, a cópia para o modelo, pois seu efeito é no todo semelhante ao das outras artes, apenas mais vigoroso, mais rápido, mais necessário e infalível. (W I, § 52, p. 336-337)


(SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação, Tomo I, 2ª edição

revisada, tradução de Jair Barboza. São Paulo: UNESP, 2015.)

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