O Ser e o Nada – Sartre

 O Futuro que tenho-de-ser, ao contrário, é de tal ordem em seu ser que

somente posso sê-lo: porque minha liberdade o corrói em seu ser por

debaixo. Significa que o Futuro constitui o sentido de meu Para-si presente,

como o projeto de sua possibilidade, mas não determina de

modo algum meu Para-si por-vir, já que o Para-si está sempre abandonado

nesta obrigação nadificadora de ser o fundamento de seu nada. O

Futuro não faz mais que pré-esboçar os limites nos quais o Para-si se

fará ser como fuga presentificadora (présentificante) ao ser rumo ao

outro futuro. É o que eu seria se não fosse livre, e o que só posso ter-deser

porque sou livre. O Futuro, ao mesmo tempo que aparece no horizonte

para me anunciar o que sou a partir do que serei ("O que está

fazendo?"; "Estou pregando esse tapete, pendurando esse quadro na

parede"), por sua natureza de futuro presente-para-si, se desarma, já

que o Para-si que será, o será à maneira de se determinar a si mesmo a

ser, e o Futuro, convertido em futuro passado como pré-esboço desse

Para-si, só poderá solicitar-lhe, a título de passado, que seja aquilo que

se faz ser. Em suma, sou meu Futuro na perspectiva constante da possibilidade

de não sê-lo. Daí a angústia que descrevemos atrás e que provém

do fato de que não sou suficientemente esse futuro que tenho-deser

e confere seu sentido a meu presente: isso porque sou um ser cujo

sentido é sempre problemático. Em vão pretenderá o Para-si encadearse

a seu Possível como ser que ele é fora de si, mas o é com certeza: o

Para-si só pode ser problematicamente seu Futuro, pois dele se acha

separado por um Nada que ele é; em suma, é livre, e sua liberdade é o

próprio limite de si mesmo. Ser livre é estar condenado a ser livre. Assim,

o Futuro não tem ser enquanto Futuro. Não é Em-si, e também nao

tem o modo de ser do Para-si, já que é o sentido do Para-si. O Futuro

não é, o Futuro se possibiliza (possibifise). Futuro é a contínua possibilização

(possibifisation) dos Possíveis como sentido do Para-si presente,

na medida que esse sentido é problemático e escapa radicalmente, como

tal, ao Para-si presente.


 (SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenologia. 3. ed. Petropolis: Vozes, 1997. p. 182)


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